Rafael Sliks
Enigma a decifrar, cidadão não identificado, sombra esgueirando-se por entre edifícios das cidades, tal qual personagem de HQ. Impressões que temos ao nos aproximarmos do artista Rafael Sliks” e sua obra instigante. Gestos rápidos, lampejos de pintura de ação.
Inerente, muitas vezes colada aos muros e empenas das grandes cidades, sua figura “sutil” mescla-se com a abstração caótica ou sinalética que espalha pelas ruas do mundo.
Suas ações são de alta precisão, pois graças às suas exímias habilidades (skills = habilidades, que misturando as letras resultou Sliks) sua obra se desenvolve como movimentos de dança que deixam seus rastros em becos e avenidas previamente definidos, improvisos quando preciso, carregados de elementos ricos da história da arte desde as origens até as mais avançadas propostas da atualidade.
No âmago do trabalho do Sliks a sutileza em amalgamar com organicidade o caos urbano e os encantos da natureza selvagem, pura, carregada de camadas microrgânicas, texturas, odores, cores e luminescências.
A obra atual de Sliks aponta enfim para sua viagem interior, labiríntica como a do Don Juan, contada por Castañeda, repleta de sutilezas, emaranhados, traços, signos e sinais aleatórios.
Se por acaso você cruzar com essa figura um dia, certamente se surpreenderá. Rápido como um ninja, Sliks executa nas ruas seus movimentos, inspirado nas lutas marciais e nos rolês de skate de sua juventude.
Ao mesmo tempo recupera as sinaléticas de Lascaux, ideogramas orientais, fórmulas secretas de da Vinci, action paiting de Pollock, devaneios oníricos de Magritte, ousadias de Yves Klein.
Sliks é antes de tudo um enigma a ser decifrado e por isso sua produção começou nas ruas e becos de São Paulo, para chegar a várias partes do mundo.
Mas qual a origem dessa trajetória, mesmo com sua opção de não ter seu rosto e vida privada revelados?
Rafael era uma criança, como tantas outras, no início dos anos ‘80, amava HQs, filmes orientais sobre movimentos marciais, rolês (com skate ou spray) pelo bairro onde cresceu, bexiga – nome popular do bairro paulistano da bela vista.
Ainda menor ele olhava por uma fresta do portão de sua casa o vasto mundo da rua e, logo, se aventurou a conhecer os territórios além da esquina, descobriu as frondosas árvores dos parques e avenidas.
Quando conseguia escapar da escola, onde mudava de carteira para desenhar e escrever sua assinatura na superfície lisa, saía para explorar o mundo sem fronteiras.
Ele conta que em suas saídas passou a se interessar pela variedade de letras e grafittis e pixos da cidade e a associar com o seu instintivo impulso de fazer rabiscos, emaranhados de linhas, a ocupação dos espaços com desenhos e pinturas.
Mesmo atuando em outras áreas, não parou mais de exercitar suas tags, assinaturas da rua, poéticas tracejadas.
Ao trabalhar com moda se entendiou com a monotonia e a competição entre as modelos disputando o título de mais bela da temporada. Certo dia teve a ideia, retratou algumas modelos e cobriu as fotos das beldades com sua tag (assinatura da rua), como um ninja que dança no escuro com uma lanterna acesa. Mas teve o cuidado de nunca cobrir os olhos, os olhares das modelos. Porta de percepção para mundos interiores, encontrou nesta atitude um dos pontos fundamentais de seu trabalho. O olhar interior.
A partir daí desenvolveu uma série de originais (depois transformados em gravuras) que tinham – além das modelos – alguns mitos da história da arte, como Jan Van Eyck e Andy Warhol. Sempre com suas interferências e a permanência do olhar inconfundível. Alguns sábios dizem que o olhar é a porta da alma. Estavam lançados os laços dos traços como trama importante de sua obra visual.
Sobre fotos, lonas, muros, empenas e paredes o ritual sempre se repete, numa ação rápida e instantânea, circularidade que penetra as entranhas da alma, através do qual Sliks apresenta camadas de seu mundo interior, que vira um espelho d’alma sob o olhar do fruidor.
Na lei do tão existe o conceito do ‘sorriso interior’. A obra de Sliks – com suas alusões ao expressionismo abstrato, à pintura zazen, à escrita automática, aos rabiscos da infância – busca trazer à tona o universo interior individual. A sua pintura tem a capacidade de nos fazer felizes interiormente.
Depois de um período sabático por praias do sul do Brasil, Sliks retornou à metrópole e foi morar com amigos artistas. Começava outra etapa em sua trajetória, que o levaria em pouco tempo a carimbar o passaporte em países de vários continentes.
Com um portfolio rico em abstrações que exibem seu intrincado universo interior, Sliks trabalha incessantemente no atelier, mas atua com o mesmo fervor em obras clandestinas, nos becos e ruas das cidades por onde circula em ações pictóricas executadas por ele (às vezes com amigos street artistas, sombra de si mesmo nas noites escuras (grafittis, pixos, interferências).
Pintura intermitente, ritmo cadenciado, balé oriental sobre cenário noturno, Sliks segue sua sina de artista urbano, super visual, contemporâneo.
Sua arte explode, grita, rodopia, se acumula em camadas, transborda nas bordas e, segundo ele, deve falar por si só.
Paulo Klein
Crítico e curador artes visuais
Association internationale des critiques d’art